quinta-feira, 20 de março de 2008

Freio Labial Superior Duplo: Relato de Caso

Freio Labial Superior Duplo: Relato de Caso


Alessandro L. CAVALCANTI**, E. SANTOS**, O. ALTAVISTA**

ARTIGO PUBLICADO NA REVISTA PAULISTA DE ODONTOLOGIA, n.6, 1997.

Profs. do Curso de Atualização em Odontopediatria da FDCTO - USP

SINOPSE

Os autores relatam um caso de freio labial duplo e fazem revisão da literatura pertinente. Ressaltam a importância do diagnóstico precoce na dentição decídua.

UNITERMOS: freio labial , dentição decídua.

INTRODUÇÃO

Nas crianças em idade pré-escolar e naquelas em fase de dentição mista, observa-se freqüentemente um diastema na linha mediana da maxila. É importante determinar se este diastema é normal para esta época em particular do desenvolvimento, ou se está relacionado a presença de um freio labial superior anormal 7.

Tem-se observado que a importância do freio labial superior anormal na dentição decídua tem sido bastante negligenciada, na maioria das vezes, por parte do clínico e, especialmente, pelo Odontopediatra 8.

Segundo HAGEBOOM apud WALTER 11, o freio labial superior é uma prega da membrana mucosa e de tecido fibroso, aderido de um lado à superfície interna do lábio superior e, do outro, à gengiva da linha mediana da maxila. É um componente anatômico normal no ser humano, mas como qualquer outra estrutura do organismo pode se tornar anômalo.

O presente estudo tem por finalidade fazer uma breve revisão da literatura, bem como apresentar um caso clínico de freio labial duplo.

REVISTA DA LITERATURA

DEWEY (1918) apud WALTER 11 foi o primeiro a estudar os diferentes tipos de freio labial superior anômalos, dividindo-os em três grupos, segundo a disposição das coroas dentárias dos incisivos superiores, separadas pelo freio: 1) freio com inserção alargada, determinando um paralelismo dos longos eixos dos incisivos, gerando um diastema; 2) freio com a inserção voltada para o lábio, levando a uma divergência de incisão para apical do longo eixo dos incisivos superiores e 3) freio labial cuja base está voltada para a gengiva, determinando uma convergência para apical dos longos eixos dos incisivos centrais.

DEWELL 3 (1946) relata a dificuldade em se diferenciar o freio normal do anormal. Ressalta que um freio labial hipertrófico leva à separação dos incisivos. Observou que nos primeiros anos de vida, o freio é uma estrutura inerte, cujo desenvolvimento não ocorre na mesma proporção do processo alveolar, sendo seu tamanho e posição definitivas determinados pelas estruturas ósseas e dentárias que o ultrapassam em crescimento e desenvolvimento. Desta forma, o que pode parecer um freio anormal entre os incisivos centrais separados aos 6 anos de idade, aos 12 anos pode ser um freio normal com contato dos incisivos.

SEWERIN 9 (1971) estudando os freios labiais, classifica-os em dois grande grupos: os normais e suas variações e os anormais. Desta forma, para os freios ditos normais teríamos 3 tipos: freio simples, freio simples com apêndice e freio simples com nódulo. As anormalidades foram classificadas em 5 tipos diferentes: freio bífido, freio com recesso, freio teto labial persistente, freio duplo e, por fim, a coincidência entre duas ou mais variações ou anormalidade.

Fig. 1. - Classificação dos vários tipos de freio labial superior, segundo SEWERIN 9: A) freio normal; B) freio teto labial persistente; C) freio com apêndice; D) freio com nódulo; E) freio duplo; F) freio com recesso e G) freio bífido.

Ainda segundo este autor, a prevalência dos diferentes tipos de freio labial foram de 60,2% para o freio normal e 39,8% para as outras formas. Dentre estas, observamos: freio com nódulo, prevalência de 9,1%; freio bífido, 3%; freio com recesso, 2,8%; freio teto labial persistente, 2,6% e freio duplo, 0,4% de prevalência.

VONO e colab. 10 (1973) afirmam que por ser o freio o principal causador do diastema inter-incisal no arco superior, é importante conhecer seus aspectos quanto à normalidade.

WALTER 11 (1980) estudando a prevalência dos diferentes tipos de freio labial superior em escolares, concluiu que: 1) a prevalência dos diferentes tipos de freio labial não apresenta diferenças significativas quanto ao sexo; 2) ocorre um aumento percentual do freio simples com o aumento da idade e 3) a prevalência de anormalidades, e em particular do freio teto labial persistente, decresce com o aumento da idade.

Histologicamente, o freio labial é composto de duas camadas de epitélio, recobrindo um tecido conjuntivo frouxo vascularizado. As fibras musculares quando presentes, são derivadas do músculo orbicular dos lábios 2, 7, 12.

Segundo McDONALD 7, o freio maxilar origina-se na linha mediana da superfície interna do lábio. Sua base é larga, mas o tecido do freio propriamente dito é estreito e insere-se na linha mediana, na camada externa do periósteo, no tecido conjuntivo da sutura maxilar interna e no processo alveolar.

Estudando a prevalência dos diferentes tipos de freio labial superior na dentição decídua em 150 crianças na faixa etária de 4 a 6 anos de idade da cidade de São Paulo, SANTOS e colab. 8 (1985) encontraram uma prevalência de 72% para o freio simples, 10,6% para o teto labial persistente, 7,3% para o freio com apêndice, 6% para o freio com nódulo e 4% de prevalência para o freio duplo.

GUEDES-PINTO 4 cita que no recém-nascido o freio labial superior se estende da papila através do processo alveolar até o lábio, podendo permanecer em definitivo nesta posição ou, devido a expansão do processo alveolar, vir a apresentar sua inserção no vestíbulo bucal.

RELATO DE CASO

O paciente R. S. de 5 anos de idade, foi encaminhado à clínica do Curso de Atualização em Odontopediatria da FDCTO da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo. No exame extra-oral, nenhuma anormalidade ou assimetria foi constatada. Quando do exame intra-oral, observou-se a presença de um freio labial duplo. Este paciente apresentava um quadro de cárie rampante. Quando da avaliação dos seus hábitos alimentares, encontrou-se uma grande ingestão de carboidratos.

DISCUSSÃO

A semelhança entre o freio labial normal e o anormal pode causar confusão, levando a um diagnóstico falho e um grande número de freios tem sido errônea ou precocemente conduzidos à cirurgia 3.

O freio é anômalo quando, além de causar problemas ortodônticos pode ocasionar outros, de ordem estética, fonética ou periodontal 5, 7 ou ainda, causar o diastema inter-incisal 10, 12.

Segundo CHECCHI e colab.1 o diagnóstico do freio labial é obtido através da manobra de palpação e tração do lábio, a fim de se evidenciar: quantidade de gengiva aderente, isquemia da papila, nível de inserção do freio, volume, características de inserção e consistência. Ressaltam, ainda, que o exame clínico deve ser sempre acompanhado do radiográfico.

ISSÁO & GUEDES-PINTO 6 recomendam que na presença de diastema na dentição decídua, nenhuma intervenção deva ser feita. Todavia, deve-se adotar um controle periódico que determinariam cuidados especiais, principalmente nos casos de maus hábitos, como interposição lingual no espaço interdental.

McDONALD 7 afirma que uma inserção baixa do freio labial superior, pode ocasionar uma técnica de escovação incorreta, pela dificuldade de posicionamento da escova.

Ao observamos a prevalência dos diferentes tipos de freio labial, encontraremos valores que variam de 0,4% a 4% para o freio labial duplo 8, 9 .

Com relação as possíveis diferenças entre os sexos masculino e feminino, SANTOS e colab.8 e WALTER 11 não encontraram diferenças significativas, porém VONO e colab.10 relatam que existe uma associação positiva entre o sexo masculino e a inserção palatal do freio.

Um fator controverso entre os autores, é a morfologia histológica do freio, particularmente relacionado à presença de tecido muscular. HENRY e colab. 5, estudando as características histológicas do freio labial em 11 amostras de biópsias do freio labial, concluíram que não havia tecido muscular presente. Relatam que os estudos que defendem a presença de fibras musculares no freio, não são acompanhados de cortes histológicos.

De acordo com GUEDES-PINTO 4, a exérese do freio labial é preconizada por várias razões bem diversificadas e polêmicas, sendo que as mais freqüentemente citadas são de ordem funcional como dificultar a sucção de alimentos e interferir na fonação, dificuldade na escovação e o favorecimento de tratamento ortodôntico e periodontal. Todavia, ressalta que a possibilidade de formação de cicatrizes hipertróficas é um fator impeditivo à realização da frenectomia.

CONCLUSÕES

O odontopediatra assume grande responsabilidade frente ao diagnóstico, por acompanhar o paciente desde a mais tenra idade até a adolescência. Um diagnóstico correto e precoce é de primordial importância, pois permite a adoção da terapêutica indicada.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. CHECCHI, L.; CORTIS, I. M.; TOGNETTI, F. Anomalie dei frenuli: la frenulectomia Dent Cadmos, v.57, n.16, p. 13-27, Oct., 1989.

2. CROWLEY, R. E. An anatomic anomaly of the maxillary labial frenum Am J Orthod, v.42, p. 142-49, Febr., 1956.

3. DEWEL, B. F. The normal and the abnormal labial frenum: clinical differentiation J Am Dent Assoc, v.33, n.5, p. 318-29, March, 1946.

4. GUEDES-PINTO, A. C. - Odontopediatria, 5ª ed., São Paulo, Ed. Santos, 1995.

5. HENRY, S. W.; LEVIN, M. P.; TSAKNIS, P. J. Histologics features of the superior labial frenum J Periodontol, v.47, n.1, p. 25-28, Jan., 1976.

6. ISSÁO, M. & GUEDES-PINTO, A. C. Manual de Odontopediatria, 6a ed., São Paulo, Artes Médicas, 1984.

7. McDONALD, R. & AVERY, D. R. Odontopediatria, 5a ed., Trad. Sylvio Bevilacqua, São Paulo, Ed. Guanabara-Koogan, 1994.

8. SANTOS, V. I. M.; KORYTNICKI, D.; ANDO, T.; ; LASCALA, N. T. Estudo da prevalência dos diferentes tipos de freio labial superior na dentição decídua Rev Fac Odont S Paulo, v.23, n.2, p. 129-35, Jul/Dez., 1985.

9. SEWERIN, I. Prevalence of variations and anomalies of the upper labial frenum Acta Odontol Scand, v.29, n. 4, p. 487-96, Oct., 1971.

10. VONO, B. G.; FREITAS, M. I.; TARQUINO, B. R. C. Uma pesquisa sobre diastema incisal - freio labial Rev Bras Odont, v.30, n. 182, p. 138-41, Jul/Ago, 1973.

11. WALTER, L. R. F. Prevalência dos diferentes tipos de freio labial em escolares londrinenses Rev Assoc Paul Cir Dent, v.34, n.5, p. 426-31, Set/Out., 1980.

12. WEINSTEIS, R.; GHISLANDI, C.; ZANDONELLA NECCA, S.; GANDOLFI, F.; STROHMENGER, L. I frenuli - considerazioni cliniche Dent Cadmos, v.56, n.8, p. 93-95, March, 1988.

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