terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

TRAQUEOSTOMIA

Traqueostomia

© Equipe Editorial Bibliomed

Neste Artigo:

- Introdução
- Indicações e contra-indicações
- Pérolas na realização do procedimento
- Complicações
- Traqueostomia aberta versus percutânea
- Conclusão
- Referências Bibliográficas

A Traqueostomia é um procedimento antigo (sua primeira descrição conhecida data de 2.000 a.C) e bastante útil para se obter acesso à árvore respiratória em situações de obstrução ou necessidade de assistência ventilatória prolongada. Contudo, não é uma intervenção livre de complicações e algumas intercorrências precoces e tardias relacionadas ao procedimento podem ser fatais.

Introdução

A história da traqueostomia é repleta de altos e baixos. Na antiguidade, a indicação do procedimento para salvar vidas era conhecida como "semi-degolamento", e sua reputação era tão ruim que Hipócrates chegou a condenar este tipo de intervenção.

Em aproximadamente 100 d.C., Antyllus descreveu a traqueostomia com incisão horizontal entre dois anéis traqueais como conhecemos hoje. Em 1546, Brasavola publicou sua indicação de traqueostomia para obstrução amigdaliana e tornou-se o primeiro a realizar esta operação de fato.

Nas décadas e séculos seguintes, a traqueostomia finalmente deixou o limbo dos procedimentos cirúrgicos execrados, tornando-se uma intervenção capaz de salvar vidas e mostrando-se especialmente útil nos anos de maior incidência de Difteria.

Atualmente, a traqueostomia eletiva possui uma morbidade em torno de 6% e uma taxa de mortalidade menor do que 1%

Indicações e contra-indicações

O advento dos antibióticos e os avanços no campo da anestesia tornaram a traqueostomia um dos procedimentos cirúrgicos eletivos mais realizados em todo o mundo. As principais indicações para traqueostomia incluem:

  • Para contornar obstruções: em pacientes com má-formações congênitas (p.ex.: hipoplasia da laringe, teia vascular, etc), corpos estranhos que não podem ser removidos com Heimlich, fraturas das vias aéreas, anafilaxia com edema de laringe, e distúrbios glóticos ou supraglóticos (p.ex.: infecção, neoplasias, paralisia bilateral das cordas vocais).
  • Trauma cervical com lesão grave da glândula tireóide, da cartilagem cricóide, do osso hióide ou dos grandes vasos cervicais.
  • Enfisema subcutâneo.
  • Via para assistência ventilatória prolongada em pacientes com insuficiência respiratória.
  • Necessidade de toalete pulmonar adequada: em pacientes com reflexo de tosse diminuído devido dor crônica ou fraqueza extrema.
  • Profilática em pacientes em preparo para procedimentos de grande porte na região da cabeça ou pescoço.

Não existem contra-indicações absolutas para traqueostomia. Contudo, uma contra-indicação relativa forte é a suspeita de que o bloqueio das vias aéreas esteja sendo causado por um carcinoma de laringe. Nestes casos, recomenda-se planejar de uma vez o procedimento definitivo (em geral, uma laringectomia), evitando a manipulação desnecessária do tumor (que poderia aumentar o índice de recorrência da lesão).

Doenças eminentemente terminais também devem ser levadas em conta ao se indicar o procedimento. Nestes pacientes, a traqueostomia poderia representar apenas um excesso de mecanização nos cuidados, sem influenciar contudo o prognóstico no curto prazo.

Pérolas na realização do procedimento

A extensão excessiva do pescoço deve ser evitada, pois ela estreita ainda mais as vias aéreas. Além disso, a extensão excessiva pode resultar em traqueostomias muito baixas, próximas à Carina e à artéria inominada.

A hemostasia meticulosa é essencial e deve começar desde as margens da incisão. As veias jugulares anteriores aberrantes (e outros pequenos vasos) devem ser cuidadosamente cauterizados ou ligados. A dissecção na linha média é crucial para reduzir o risco de hemorragia e evitar as estruturas paratraqueais,

O istmo tireoideano comumente está posicionado anteriormente ao 2º-3º anéis traqueais. Em alguns pacientes, ao invés de ser seccionado, ele pode ser tracionado para fora do campo cirúrgico, mas esta manobra possui seus riscos. Um istmo retraído pode sofrer atrito contra o tubo da traqueostomia, resultando em hemorragia significativa no pós-operatório. O mais recomendável é seccionar o istmo com eletrocautério e realizar sua ligadura.

No momento de incisar a traquéia, eleve um pouco a cartilagem cricóide superiormente com um gancho traqueal para facilita a exposição do ponto de incisão.

Incise a traquéia horizontalmente na membrana entre os 2º e 3º ou 3º e 4º anéis. Utilize então uma tesoura firme para fazer um corte vertical ao longo da linha mediana, interessando mais 1 ou 2 anéis inferiores, formando um T. As bordas superiores podem ser evertidas e fixadas à pele com pontos separados de seda, facilitando a recolocação do tubo de traqueostomia caso ele saia da posição no pós-operatório imediato. Marque o curativo que protege estes pontos com os dizeres "não troque / não remova". Os pontos podem ser removidos quando da primeira troca do tubo, entre o 5º e 7º dia pós-operatório.

Em pacientes obesos, incisões em U ou H oferecem uma maior facilidade técnica.

Uma vez aberta a traquéia, posicione os dilatadores delicadamente dentro da traquéia, inserindo o tubo da traqueostomia com seu balonete previamente testado. Uma vez confirmado o posicionamento correto do tubo, fixe-o à pele com pontos separados de nylon 4-0 e prenda o colar da traqueostomia com um cadarço. Para evitar o risco de enfisema subcutâneo e pneumomediastino, a pele não é suturada, mas tamponada com uma gaze umedecida com vaselina ou povidine. A gaze pode ser removida após 24h.

Escolha do tubo

Quanto menor o tubo, melhor. Como regra geral, o tubo deve possuir ¾ do diâmetro da traquéia. Tubos muito curtos podem lesar a parede traqueal posterior, causando obstrução e ulceração. Tubos muito longos podem curvar anteriormente, erodindo perigosamente a parede traqueal nas proximidades da artéria inominada.

Os tubos balonados permitem ventilação com pressão positiva e evitam aspiração. Contudo, se o balonete não for imprescindível, ele não deve ser utilizado: tubos balonados irritam a traquéia, estimulando a produção e dificultando a eliminação de secreções, mesmo quando desinflados. Até mesmo os modernos tubos balonados de baixa pressão devem ser desinflados pelo menos uma vez ao dia para evitar necrose. Alguns autores chegam a recomendar que o balonete seja desinflado por 10 minutos a cada 1 hora.

Detalhes pós-operatórios

Os cuidados pós-operatórios são críticos. Após a intervenção cirúrgica, a traquéia passa a produzir uma grande quantidade de secreções. Pode ser necessário lavar o tubo com soro fisiológico e aspirar a cada 15 minutos para evitar obstrução. Contudo, a sucção deve ser limitada à extensão do tubo para evitar ulceração traqueal e traqueíte, e não deve durar mais que 15 segundos.

A presença contínua de um umidificador e o emprego de agentes mucolíticos (p.ex.: acetilcisteína) ajudam a evitar a formação de plugues mucosos na cânula, que podem causar obstruções potencialmente fatais.

O tubo original deve ser mantido fixado por sutura por 5-7 dias, até a cicatrização da ferida. Após este período, os pontos são removidos e o tubo, trocado. Nos pacientes onde a traqueostomia foi uma intervenção aguda, este é um bom momento para reduzir o calibre do tubo ou passar para um tubo de metal (cânula de Jackson).

A traqueostomia é uma ferida contaminada, e por isto deve ser mantida o mais limpa e seca possível.

Assim que o balão puder ser desinflado, o paciente deve ser encorajado a ocluir o tubo com um dedo e tentar falar. Na ausência de edema traqueal importante, a passagem de ar é suficiente para permitir vocalizações. Este avanço estimula o paciente a re-estabelecer o fluxo normal pelas vias aéreas e diminui a resistência psicológica à traqueostomia.

A deglutição é mais difícil na presença de tubo devido à menor elevação da laringe. Contudo, a ingestão oral de alimentos é possível, desde que o paciente não apresente risco de aspiração.

A educação do paciente e de seus familiares quanto aos cuidados com a traqueostomia devem começar cedo. Antes da alta hospitalar, todos devem estar aptos para re-posicionar a cânula (utilizando sempre o obturador) e manusear o aspirador para realizar a higiene necessária

Complicações

As complicações da traqueostomia podem ser divididas em precoces e tardias.

Complicações Precoces

A hemorragia precoce em geral decorre de aumento da pressão sangüínea a medida em que o paciente emerge da anestesia e começa a tossir. Felizmente, na maioria dos casos, o sangramento pode ser controlado com compressas locais com gazes embebidas em povidine e anti-hipertensivos. Nestes casos, para evitar o risco de infecções, os pacientes devem receber antibioticoterapia anti-estafilocócica.

A formação de tampões mucosos deve ser evitada com vigilância e higiene adequadas.

Algum nível de traqueíte está presente em todos os pacientes recém traqueostomizados. Novamente, a umidificação do ar, a redução da fração de oxigênio inspirado (FIO2) (altos níveis de oxigênio intensificam o ressecamento) e a irrigação apropriada são essenciais. Além disso, a movimentação freqüente do tubo dentro da traquéia é extremamente irritante e deve ser evitada ao máximo.

A ferida da traqueostomia é rapidamente colonizada, mas como a incisão é deixada aberta, infecções são raras.

A necessidade de substituição ou reintrodução do tubo da traqueostomia é relativamente evento comum. Caso o tubo saia do lugar, a primeira medida deve ser tentar reintroduzir o mesmo tubo (ou outro de menor calibre) sob visualização direta utilizando um laringoscópio. Se isto não for possível imediatamente, parta para a intubação orotraqueal padrão ao invés de traumatizar ainda mais o sítio da traqueostomia. Tentativas intempestivas de reintrodução da cânula podem resultar em falsos trajetos, enfisema subcutâneo ou lesão grave da traquéia.

Complicações tardias

Mais de 50% dos pacientes com hemorragia importante mais de 48h após a traqueostomia apresentam erosão traqueoinominada. O trajeto fistuloso pode ser causado por uma traqueostomia muito baixa ou por uma cânula mal encaixada. Apesar do alto índice de mortalidade (>80%), a fístula traqueoinominada ocorre em menos de 1% dos pacientes traqueostomizados.

Os pacientes que estão desenvolvendo uma fístula traqueoinominada costumam apresentar um sangramento sentinela (um episódio breve de eliminação de sangue vermelho vivo no local da traqueostomia) horas ou dias antes da hemorragia catastrófica. Havendo percepção deste sinal, é imprescindível investigar o paciente com uma traqueobroncoscopia.

Se o diagnóstico de fístula traqueoinominada for feito apenas durante a hemorragia maciça, a conduta inclui:

  • Recolocação da cânula de traqueostomia com um tubo orotraqueal com o balão inflado distalmente ao local do sangramento – isto protege a via respiratória inferior.
  • Se o balonete do tubo não tamponar o sangramento, pode-se introduzir um dedo no orifício da traqueostomia, tamponando o sítio hemorrágico até que o paciente seja levado ao bloco cirúrgico para esternotomia e controle do vaso sangrante.

Ocasionalmente, o tecido de granulação na ponta da cânula de traqueostomia pode sangrar vigorosamente. A lesão pode ser identificada via laringoscopia flexível e tratada com excisão ou eletrocauterização broncoscópica.

A traqueomalácea em geral decorre de cânulas mal dimensionadas. O mesmo princípio pode levar à lesão da cartilagem cricóide (o único anel circunferencial na traquéia) e estenose laríngea. Felizmente, os tubos balonados modernos, de alto volume com baixa pressão, reduziram a incidência desta complicação.

A estenose traqueal tipicamente se desenvolve várias semanas após a decanulação, de modo subagudo, podendo ser confundida com bronquite. O tratamento é essencialmente cirúrgico e varia desde ressecção formal e reconstrução até debridamentos menos invasivos ou dilatação paliativa.

As fistulas traqueoesofágicas ocorrem em menos de 1% dos pacientes traqueostomizados e costumam ser causadas por fricção entre o tubo de traqueostomia deslocado posteriormente ou um balonete excessivamente inflado e uma sonda nasogástrica rígida. A lesão quase sempre requer reparo cirúrgico.

A fístula traqueocutânea caracteriza-se por epitelização do trajeto entre a pele e a traquéia. Esta lesão pode ser reparada com curetagem da camada epitelial e cicatrização por segunda intenção. Uma alternativa é realizar um fechamento em 3 camadas, mas este procedimento possui uma incidência maior de complicações.

Finalmente, a remoção da cânula pode ser difícil em alguns pacientes. Isto pode ser causado por granulomas, paralisia das cordas vocais, fraturas cartilaginosas e ansiedade. A avaliação do paciente deve incluir laringoscopia e broncoscopia através do estoma, com inspeção visual cuidadosa.

Traqueostomia aberta versus percutânea

Em 1969, foi descrita uma técnica de traqueostomia realizada por via percutânea, utilizando basicamente uma técnica de Seldinger modificada com dilatação progressiva.

A maior vantagem da técnica percutânea está no fato de poder ser realizada à beira do leito, eliminando a necessidade de deslocamento do paciente e todo o aparato do procedimento tradicional. Contudo, estas vantagens são contrabalançadas pela necessidade de broncoscopia de controle e possibilidade de reversão para técnica aberta a qualquer momento.

Algumas características dos pacientes os tornam candidatos menos favoráveis para a abordagem percutânea: obesos, anatomia cervical de difícil palpação, necessidade de obtenção de intubação de emergência, crianças, e portadores de coagulopatias ou bócio tireoideano.

Quando a traqueostomia percutânea é realizada em conjunto com a broncoscopia, o procedimento possui menos de 10% de complicações (p.ex.: queda nos níveis de saturação de oxigênio e sangramento de pequena monta).

Conclusão

A traqueostomia é um dos procedimentos cirúrgicos eletivos mais realizados em todo o mundo. Quando obedecidos os critérios técnicos de indicação e confecção, os índices de morbidade e mortalidade são inferiores a 6% e 1%, respectivamente. Tão importante quanto a boa técnica cirúrgica, os cuidados pós-operatórios são cruciais para que a traqueostomia se mantenha viável por vários anos.

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Copyright © 2009 Bibliomed, Inc. 03 de fevereiro de 2009

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