quarta-feira, 16 de abril de 2008

Evitando a Recidiva no Tratamento Ortodôntico-cirúrgico (Cirurgia Ortognática): Uma visão atual Parte I e II -


Evitando a recidiva no tratamento ortodôntico-cirúrgico (Cirurgia Ortognática): Uma Visão Atual


Autor: Dr. Renato Vita


Introdução

Após qualquer movimentação terapêutica, ortodôntica ou cirúrgica, as estruturas biológicas irão sofrer acomodações, macroscópicas ou microscópicas, adaptando-se à nova biomecânica das estruturas faciais (adaptação funcional).

Quando ocorre uma mudança das estruturas dento-esqueléticas que ultrapassam os limites da adaptação funcional, ocorrendo novamente uma má oclusão, nesta situação ocorreu uma recidiva.

Recidiva em ortodontia e cirurgia ortognática significa que houve um retorno parcial ou total da má oclusão, ou até o surgimento de um novo tipo de má oclusão.

A recidiva em ortodontia e cirurgia é uma das complicações mais temidas pelos profissionais e pacientes. O profissional sente-se frustrado por ter perdido o objetivo do tratamento (curar o paciente de uma má oclusão) e o paciente por ter perdido os benefícios (estéticos, funcionais e psicológicos) que a oclusão normal lhe proporcionaria.

A recidiva, em cirurgia ortognática, pode surgir com vários níveis de gravidade. Poderíamos classificá-la em:

  1. Pequena, quando não é necessária uma intervenção terapêutica ocorrendo uma compensação natural.
  2. Moderada, quando é necessária uma compensação ortodôntica para o restabelecimento da normalidade.
  3. Grande, quando é necessário um retratamento ortodôntico-cirúrgico.
  4. Intratáveis, quando não devem ser tratadas, por fatores individuais do paciente, independente da gravidade.

O que causa a recidiva? Como evitar? Estas são perguntas extremamente importantes e que precisam ter uma resposta para que sua incidência seja a mínima possível.

As causas da recidiva podem ser:

  1. Por uma falha no tratamento (nas fases de diagnóstico e planejamento, ortodôntico e cirúrgico),
  2. Por falta de colaboração do paciente,
  3. Por fatores inesperados,
  4. Por fatores biológicos desconhecidos.

Acompanhe a continuação desse texto na Parte I.

Evitando a Recidiva no Tratamento Ortodôntico-cirúrgico (Cirurgia Ortognática): Uma Visão Atual – PARTE I


Se você perdeu, confira a Introdução do artigo

PARTE I

I. FALHA NO TRATAMENTO

DIAGNÓSTICO E PLANEJAMENTO

Dentro do tratamento podemos encontrar inúmeras causas da recidiva, mas a principal causa é o diagnóstico e planejamento incorreto.

Na fase de diagnóstico e planejamento poderíamos citar como principais causas:

1. Falta de uma avaliação clínica adequada (anamnese e exame físico) Como exemplos, a realização de uma cirurgia ortognática em um pacientes: em fase de crescimento, ou com acromegalia não tratada, ou com hiperplasia condilar ativa ou osteocondroma, ou com reabsorção condilar.

Nos casos de hiperplasia condilar e osteocondroma, uma das possibilidades de tratamento, com resultados excelentes, é a realização concomitante da remoção da patologia da ATM e a realização da cirurgia ortognática, corrigindo a posição das estruturas dento-esqueléticas. Para isto é necessário que o profissional tenha um alto grau de treinamento (WOLFORD, L. M. e colab, 2003). - figuras 1 e 2

Figura 1 - telefrontal pré e pós-operatório (cirurgia de mandíbula, maxila, mento, turbinectomia e condilectomia alta da ATM).

Figura 2 - cirurgia de maxila, mandíbula, mento e condilectomia alta da ATM

2. Ignorar os aspectos funcionais, desrespeitar a inter-relação entre estética, função e estabilidade. Estes três itens estão inter-relacionados a ponto de determinar os padrões faciais. O equilíbrio entre as estruturas musculares, ósseas, articulares, dentais e as funções respiratórias, da fala, mastigatórias e de deglutição, é fundamental para a estabilidade do tratamento. Como exemplos que desrespeitam esta inter-relação podemos citar:

1) Necessidade de recuar a mandíbula, no excesso antero-posterior da mandíbula, mas este recuo irá interferir(diminuindo) com o espaço aéreo por recuo do osso hióide que é ligado ao ventre anterior do músculo digástrico. Nesta situação é importante planejar uma cirurgia para avanço do osso hióide para compensar o recuo da mandíbula (mentoplastia de avanço ou reinserção do músculo digastrico na face vestibular da sínfese da mandíbula)(PROFFIT, W. R. e colab. 1996). - figuras 3 e 4

Figura 3 – perfil pré e pós-operatório.

Figura 4 – telelateral pré e pós-operatório. Cirurgia de mandíbula, mento e inserção do músculo digástrico na face vestibular da mandíbula.


2) Em outra situação comum é a necessidade de recuperar a altura facial, nas deficiências verticais do maxilar. O movimento de abaixamento do maxilar vai contra a força da musculatura mastigatória (inserida na mandíbula) que é muito forte e provocará uma recidiva. Nestas situações, para se obter estabilidade é importante aumentar a dimensão facial anterior e diminuir a posterior, por meio de cirurgia bimaxilar, colocando o centro de rotação do movimento à frente da musculatura (PROFFIT, W. R. e colab. 1996;
SARVER, D. M.; WEISSMAN, S. M.; 1993). - figuras 5 e 6

Figura 5 – planejamento com rotação do plano oclusal.

Figura 6 - telelateral pré e pós-operatória

3) Uma outra situação “clássica” é a necessidade de redução vertical do maxilar nos excessos verticais do terço médio da face, onde é necessária a realização de uma osteotomia maxilar com movimento superior ocorrendo uma redução da cavidade nasal. Nestes casos é imprescindível a correção do espaço nasal com a remoção ou redução dos cornetos inferiores (turbinectomia) e a correção do septo nasal. Caso não sejam realizados estes procedimentos a dificuldade de respiração nasal aumentará e o paciente permanecerá com o hábito de respirar pela boca, criando uma falta de estabilidade que pode gerar uma recidiva em longo prazo. - figura 7 e 8

Figura 7 – pré e pós-operatório

Figura 8 – telefrontal pré e pós-operatório (cirurgia reposicionamento superior do maxilar, redução do septonasal e cornetos inferiores, mandíbula e mento)

3. Não planejar a correção de todos os componentes da deformidade nos três planos espaciais (antero-posterior, vertical e transversal). Exemplos: casos cirúrgicos bimaxilares que são tratados com a realização da cirurgia em somente um segmento (ELLIS III, E.; MCNAMARA JR, J. A., 1984).

4. Usar valores cefalométricos como objetivo do tratamento, sem fazer a adaptação necessária para o paciente. JACOBSOM em 1991 descreve que “a decisão final é baseada nas observações clínicas. O planejamento para Cirurgia Ortognática ainda deve ser realizado mais como uma forma de arte do que ciência. Entretanto, sofisticada tecnologia cefalométrica deve servir de auxiliar coadjuvante no diagnóstico de casos ortodônticos-cirúrgicos.”

5. Diagnóstico sem uma integração entre os profissionais principais (ortodontista e cirurgião). É imperativo que ortodontista e cirurgião estejam capacitados para a realização de um tratamento ortodôntico-cirúrgico que envolve a cirurgia ortognática. A integração entre estes dois profissionais é muito importante para a elaboração do diagnóstico, planejamento e execução do tratamento (SARVER, D. M. e SAMPLE, L. B, 1999). Os objetivos do planejamento integrado são: facilitar o tratamento ortodôntico, facilitar o tratamento cirúrgico, minimizar o tempo de tratamento e potencializar resultados estéticos e funcionais. A participação e integração de outros profissionais (Fonoaudiólogo, Psicólogo, Psiquiatra, Otorrinolaringologista, Clínico Geral, Anestesista, Equipe de Enfermagem e outros) é de fundamental importância para o sucesso do tratamento.

6. Falta de um diagnóstico precoce. Pode levar em tratamento de crianças a necessidade de um retratamento na fase adulta(SARVER, D. M.; SAMPLE, L. B, 1999).

7. Não reconhecer os aspectos psicológicos importantes. O paciente pode apresentar problemas mentais que empeçam a compreensão do tratamento e ou dificulte com a colaboração no pré e pós-operatório, podendo criar além da recidiva, complicações extremamente graves (POGREL, M. A.; SCOTT, P., 1994).

ASPECTOS ORTODÔNTICOS

Na fase do tratamento ortodôntico poderíamos citar como principal causa à falta de colocação dos dentes na sua base óssea corretamente (SARVER, D. M.; SAMPLE, L. B, 1999).

a. movimentos que ultrapassem o limite alveolar, provocando a perda óssea e ou reabsorção radicular (HANDELMAN, C. S., 1996). Como exemplos podemos citar: 1) as retrações ortodônticas dos dentes anteriores em processos alveolares muito estreitos. 2) Falha na expansão maxilar ortodôntica em pacientes adultos, promovendo em algumas situações vários problemas: a fratura do processo alveolar, retrações gengivais, reabsorção radicular, necrose da polpa dental e inclinações excessivas dos dentes posteriores. Os limites do ósseo alveolar devem ser respeitados e em algumas situações não será possível chegar à norma cefalométrica ideal. Se a correção de inclinação é imprescindível para a obtenção da estética, função e estabilidade, então nestes casos, cirurgias segmentares serão necessárias. - figura 9

Figura 9 – cirurgia segmentar do maxilar para nivelamento e
correção de inclinação dos incisivos superiores.

b. inclinações incorretas, que sofrerão ação dos tecidos moles durante o processo de acomodação pós-operatória, modificando a posição dos dentes, criando interferências oclusais que muitas vezes podem impossibilitar a correção ortodôntica. Como exemplos clássicos, podemos citar:

1) dentes posteriores superiores que apresentam uma excessiva inclinação vestibular e ou inferiores com excessiva inclinação lingual. Após a cirurgia e remoção dos aparelhos, estes dentes se verticalizam por ação dos tecidos moles, podendo cruzar a oclusão posterior e criar uma mordida aberta anterior, de difícil resolução. - figura 10

Figura 10 – necessidade de verticalização dos dentes posteriores.

2) Os casos tratados com ortodontia compensatória e que durante ou após a compensação se decide que o tratamento é cirúrgico. Para isto será necessária uma nova mecânica ortodôntica, descompensando os dentes e muitas vezes poderemos nos deparar com seqüelas que podem ser irreversíveis, como extrações incorretas.

Em pacientes adultos, quando existe uma discrepância transversal maxilomandibular, o ortodontista tem que verticalizar os dentes posteriores (superiores e inferiores) e a correção da discrepância esquelética transversal será corrigida cirurgicamente por meio de uma expansão ortodôntica-cirúrgica, ou por meio de uma expansão maxilar imediata ou por contração transversal posterior da mandíbula (BETTS, N. e colab. , 1995). - figura 11

Figura 11 – representação esquemática: A) expansão maxilar imediata; B) expansão cirúrgica- ortodôntica e C) contração posterior da mandíbula.


c. extrusão de dentes anteriores para correção de mordidas abertas anteriores em problemas esqueléticos. A extrusão dos dentes anteriores é muito limitada, movimentos excessivos irão recidivar. Nestes casos, o preparo ortodôntico pré-operatório deve alinhar e nivelar os dentes anteriores no sentido de abrir mais a mordida, pois após a cirurgia, qualquer potencial de recidiva nestes dentes irão movimentá-los no sentido de fechar mais a mordida. Quando a curva de Spee é muito acentuada deve ser planejado um alinhamento e nivelamento segmentado e posteriormente o arco será nivelado cirurgicamente, por meio de uma cirurgia segmentar, melhorando a estabilidade da posição dos dentes (SARVER, D. M. e SAMPLE, L. B, 1999). - figura 12

Figura 12 – caso tratado com cirurgia segmentada da maxila para correção
de mordida aberta anterior e má-oclusão de classe III de Angle.

Gostaríamos de sugerir alguns procedimentos simples que auxiliariam no tratamento:

  1. Aparatologia ortodôntica correta que facilite o bloqueio maxilomandibular durante o ato operatório. O tratamento ortodôntico deve levar em consideração os procedimentos cirúrgicos que serão realizados e colaborar para sua realização. Alguns cuidados simples, por parte do ortodontista, devem fazer parte do seu planejamento ortodôntico, tais como: aparatologia ortodôntica correta - bráquetes com ganchos (estéticos ou metálicos) e molares com bandas para que possam ser usados no bloqueio maxilomandibular. Colocar os bráquetes 0,5 a 1mm mais para cervical nos dentes anteriores inferiores, para que o cirurgião possa criar uma pequena super correção no “over bite”. Dispositivos palatinos para colocação de barra trans-palatina para servirem de contensão de expansões transversais imediatas, quando planejadas.
  2. Correção do tamanho dos dentes. É fundamental a correção de discrepâncias de tamanho de dentes para que se possa obter uma oclusão adequada, com duas arcadas dentárias perfeitamente compatíveis.
  3. Divergência de raízes em cirurgia segmentada. Para a realização de uma osteotomia inter-dental é necessário um espaço mínimo para não comprometer as raízes. A ortodontia pré-operatória deve criar este espaço divergindo as raízes. - figura 13








    Figura 13 – divergência de raízes entre incisivos laterais sup. e caninos sup. para realização de cirurgia segmentar do maxilar.



  4. Corrigir a linha média dentária com a respectiva base óssea, quando possível. Se isto não for possível o cirurgião deve tomar cuidados especiais para não criar assimetrias do mento,quando o desvio dentário for na mandíbula, ou desvio do septo nasal, quando o desvio dentário se apresentar na estrutura maxilar.
  5. Fio de nivelamento ortodôntico passivo durante a fase cirúrgica. Deixar pelo menos 02 meses, antes da cirurgia, sem ativação do último fio.
  6. Ajuste oclusal pré e pós-operatório para evitar interferências oclusias, principalmente na fase pós-operatória, podendo provocar falhas no processo de reparo, principalmente da estrutura maxilar.
  7. Evitar goteiras no pós-operatório, pois na sua remoção podem alterar a dimensão vertical, modificando um pouco a relação antero-posterior obtida.

ASPECTOS CIRÚRGICOS

Segundo PROFFIT e colab. (1996), os principais fatores cirúrgicos que podem causar uma recidiva são:

  1. Emprego de técnicas cirúrgicas indevidas. Técnicas ultrapassadas com maior possibilidade de insucessos.
  2. Mobilização óssea deficiente, com tração excessiva de tecidos moles entre os fragmentos ósseos. Por exemplo, a realização de uma expansão maxilar imediata em problemas transversais maxilares maiores que sete milímetros. Em tais situações deve ser feita uma expansão ortodôntica-cirúrgica previamente. (BETTS, N. e colab., 1996). Em grandes movimentos (ex: pacientes sindrômicos) ou com limitações de distensão tecidual (ex: fissurados), podemos utilizar procedimentos de “distração osteogênica” ou distenção tecidual, pois promove o aumento de tecido ósseo e de tecidos moles.
  3. Pouco contato entre os fragmentos ósseos, dificultando o processo de reparo e criando uma zona de instabilidade. Na região maxilar, por exemplo, é importante criar áreas de apoio nos pilares nasais e zigomáticos. Quando, pela movimentação da estrutura maxilar, não houver contato ósseo nestas áreas é importante a colocação de enxertos ósseos autógenos para que haja uma continuidade na estrutura, dando a estabilidade final após a reparação óssea. - figura 14









    Figura. 14 – enxerto ósseo autógeno
    em pilar zigomático
    .

  4. Falta de controle do posicionamento do côndilo mandibular. O uso de técnicas cirúrgicas que não permitam uma avaliação, durante o ato operatório, da obtenção da relação cêntrica e de sua relação com a oclusão central ou máxima inter-cuspidação (WOLFORD, L. M., 2000).
  5. Posicionamento condilar errado. Em suas mais variadas possibilidades (torques lateral e medial, sem contato com a cavidade glenóide, posição muito posterior ou muito anterior)(ARNETT, W. G., 1993).
  6. Fixação óssea deficiente. A mobilidade dos fragmentos ósseos após a cirurgia pode mudar a posição das estruturas e até impedir sua união criando uma pseudoartroses. A utilização da técnica de fixação interna rígida é imprescindível em virtude dos benefícios que ela tem em relação à técnica não rígida (WOLFORD, L. M., 2000). - figura 15





  7. Figura 15 – Radiografia panorâmica mostrando a fixação interna rígida por meio de placas e parafusos em osteotomia maxilar tipo Lê Fort I, osteotomia sagital bilateral da mandíbula e osteotomia em degrau da sínfese da mandíbula para contração posterior.

PROFFIT e colab. (1996) criaram uma escala de estabilidade em relação ao tipo de cirurgia e a direção do movimento. - figura 16

Figura 16 – escala da estabilidade dos movimentos cirúrgicos.

A impacção maxilar é o movimento mais estável e quando ocorre alguma alteração de movimento, neste tipo de cirurgia, sua direção é no sentido superior, por reabsorção óssea na área da osteotomia.

O avanço mandibular merece uma discussão especial, pois segundo o autor, os movimentos de avanço de mandíbula no sentido horário são mais estáveis que no sentido anti-horário.

MOBARAK e colab. (2001) mostraram que os resultados de estabilidade de tratamento (avanços de mandíbula) são diferentes entre grupos de pacientes faces longas e faces curtas. O grupo com face longa apresentou uma freqüência maior, com maior magnitude de recidiva horizontal e ocorrendo após longo período pós-operatório. Enquanto que o grupo com face curta apresentou-se mais estável, com baixo índice de recidiva, e quando ocorreu foi durante os dois primeiros meses de pós-operatório.

Finalmente, PROFFIT e colab. (1996) colocam como movimentos menos estáveis, o abaixamento do maxilar, pela força que a musculatura mastigatória possui, e a expansão maxilar, pela força que a fibro-mucosa palatina faz para reaproximar os segmentos ósseos.


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