quarta-feira, 16 de abril de 2008

ÚLCERA DUODENAL

A úlcera duodenal é um distúrbio comum, acometendo 6-15% da população mundial. O distúrbio caracteriza-se pela presença de uma solução de continuidade bem demarcada na mucosa que pode se estender até a profundidade da camada muscular própria do duodeno. Mais de 95% das úlceras duodenais são encontradas na primeira parte do duodeno, a maioria com menos de 1 cm de diâmetro. O diagnóstico correto é importante pois evita o desenvolvimento de várias complicações potencialmente graves.

Introdução

A mucosa duodenal é capaz de resistir aos feitos de vários fatores agressivos, incluindo a secreção ácida do estômago e diversas enzimas proteolíticas. Esta defesa é composta por uma mucosa rica em bicarbonato e prostaglandinas protetoras.

Para compreender a fisiopatogenia das úlceras duodenais, é preciso tecer alguns comentários sobre suas duas principais etiologias: os antiinflamatórios não-esteróides (AINE) e a infecção por H. pylori.

Os AINE são patogênicos pois inibem a ação da ciclooxigenase 1 (COX-1), que normalmente encontra-se envolvida na produção de prostaglandinas protetoras, capazes de aumentar tanto a produção de muco quanto de bicarbonato no nível da mucosa duodenal. Além disso, a COX-1 atua aumentando o fluxo sangüíneo local e sua inibição compromete o aporte de oxigênio e nutrientes, enfraquecendo ainda a mais a barreira de proteção.

A patogênese do H. pylori na mucosa duodenal envolve o desenvolvimento de um estado inflamatório com altos níveis de fator de necrose tumoral alga (FNT-alfa) e outras citocinas. Estas alterações estimulam a produção e secreção de suco gástrico, que derradeiramente sobrepujam a capacidade de defesa da mucosa do duodeno. Além disso, as proteínas e o metabolismo da urease produzida pelo H. pylori resulta em dano mucoso adicional.

Úlcera duodenal: causas

  • Infecção por H. pylori
  • Uso de AINE (cerca de 4-10% dos pacientes em uso de doses terapêuticas de AINE desenvolvem úlceras duodenais após 3 meses do tratamento)
  • Fatores genéticos (mais de 20% dos pacientes com úlcera duodenal possuem história positiva para o distúrbio em familiares próximos)
  • Síndromes de hipersecreção ácida (p.ex.: Zollinger-Ellison, mastocitose sistêmica).
  • Infecção por Herpes Simples vírus tipo 1 ou citomegalovirose
  • Quimioterapia e/ou radioterapia
  • Consumo de crack e/ou cocaína
  • Alcoolismo
  • Tabagismo

Exame do paciente

As manifestações podem ir desde indivíduos completamente assintomáticos até pacientes com complicações graves, como hemorragias digestivas. De um modo geral, os sintomas mais comuns incluem: epigastralgia de intensidade variável (que pode irradiar para as costas e acentua 2-3h após as refeições), sensação persistente de fome, flatulência excessiva e pirose (que é aliviada com a alimentação). Vale lembrar que a epigastralgia típica é rara em pacientes com doença ulceropéptica e idade superior a 65 anos.

A hemorragia digestiva alta é uma complicação comum da úlcera duodenal e pode apresentar graves conseqüências. Úlceras duodenais crônicas podem evoluir com obstrução gastrintestinal alta.

O exame físico não revela achados patognomônicos. Alguns poucos pacientes se queixam de dor à palpação profunda do andar superior do abdome. Alterações mais típicas podem ser encontradas nos pacientes com complicações, tais como perfuração (p.ex.: abdome em tábua com sinal de Blumberg fortemente positivo), obstrução (p.ex.: vômitos incoercíveis) ou hemorragia digestiva (p.ex.: palidez cutâneo mucosa com instabilidade hemodinâmica).

Úlcera Duodenal: principais diagnósticos diferenciais

  • Isquemia mesentérica aguda
  • Angina pectoris
  • Cólica biliar
  • Espasmo esofágico
  • Câncer gástrico
  • Úlcera gástrica
  • Gastrinoma
  • Gastrite aguda ou crônica
  • Refluxo gastroesofágico
  • Mastocitose sistêmica
  • Pancreatite aguda ou crônica
  • Síndrome de Zollinger-Ellison

Exames complementares

Os exames laboratoriais não oferecem grande ajuda, mas o hemograma, os níveis de amilase e lipase, e as provas de função hepática podem ser úteis para excluir possíveis diagnósticos diferenciais.

O teste de CO2 expirado consiste na ingestão de uréia rádio-marcada que, na presença da urease produzida pelo H. pylori, será transformada em dióxido de carbono e amônia. Um exame laboratorial é então utilizado para detectar o CO2 rádio-marcado. Este teste possui uma sensibilidade de 90-95%. Apesar de poder ser utilizado para diagnosticar a infecção, ele é mais comumente empregado para avaliar o sucesso do tratamento contra H. pylori.

As opções ao teste de CO2 expirado incluem sorologia (ELISA) para H. pylori (sensibilidade de 95%) e detecção de antígenos fecais do H. pylori (mais empregado em crianças).

A endoscopia digestiva alta (EDA) possui a vantagem de avaliar diretamente a úlcera e colher espécimes para histopatologia. O material da biópsia endoscópica também é utilizado para realizar o teste rápido de urease, que consiste em imergir os fragmentos de mucosa duodenal em um pequeno frasco contendo substratos de uréia e um indicador de pH. Nos pacientes com H. pylori, a uréia é metabolizada e o indicador de pH muda para uma cor específica.

Abordagem terapêutica

O tratamento das úlceras duodenais varia de acordo com a etiologia e a apresentação clínica: a conduta inicial em um paciente com dispepsia clinicamente estável é bastante diferente daquela em um paciente com hemorragia digestiva alta. Na segunda hipótese, o insucesso do tratamento conservador quase sempre resulta em intervenção cirúrgica de urgência.

Tratamento clínico da úlcera duodenal sangrante

A EDA de urgência é o tratamento de escolha, tanto do ponto de vista diagnóstico quanto terapêutico. A abordagem clínica conservadora atua apenas como uma medida adjunta à terapia endoscópica direta.

As medicações mais utilizadas neste cenário são os supressores da secreção ácida – bloqueadores de receptores H2 (ranitidina, cimetidina, famotidina) e inibidores da bomba de prótons (omeprazol, pantoprazol, lansoprazol). A redução da atividade da pepsina através da alcalinização do ambiente ajuda a manter a hemostasia no local (acredita-se que a pepsina atue degradando os coágulos formados no sítio sangrante).

Os bloqueadores de receptores H2 (BRH2) são uma classe mais antiga e seu papel no tratamento da úlcera duodenal sangrante há muito foi ultrapassado pelos modernos inibidores de bomba de prótons (IBP). Atualmente, os BRH2 não estão mais indicados em pacientes com hemorragia por doença ulceropéptica.

Após o controle endoscópico do sítio sangrante, recomenda-se administrar IBP por via endovenosa (p.ex.: bolus inicial de 80 mg de omeprazol seguido de ma infusão de 8 mg/h por 72; a partir daí, alterna-se para o tratamento por via oral).

Havendo sinais de infecção por H. pylori, indica-se o tratamento de erradicação padrão.

Infelizmente, uma descrição pormenorizada das técnicas e abordagens cirúrgicas no paciente com hemorragia digestiva alta por doença úlcero-péptica foge ao escopo do presente artigo.

Menos de 5% dos pacientes com úlcera duodenal sangrante falecem em decorrência do problema.

Tratamento clínico da úlcera duodenal estável

Neste caso, a abordagem terapêutica será direcionada para a causa do problema, com erradicação da infecção por H. pylori (p.ex. 20 mg de omeprazol de 12/12h + 1.000 mg de amoxicilina de 12/12h + 500 mg de claritromicina de 12/12h por via oral, por 14 dias) e suspensão do uso de AINE.

Se não for possível interromper o uso do AINE, recomenda-se escolher pelo menos um inibidor mais seletivo da COX-2 e proteger o paciente com um IBP diário.

De um modo geral, pacientes estáveis necessitam cerca de 40-45 dias de tratamento com um IBP até que a úlcera esteja completamente cicatrizada.

Conclusão

A úlcera duodenal é um distúrbio bastante comum bastante comum. Apesar do risco de complicações potencialmente graves, como obstrução, perfuração e hemorragia digestiva, a maioria dos pacientes possui um excelente prognóstico. Os regimes atuais para erradicação do H. pylori possuem um índice de cura superior a 85%. Virtualmente todas úlceras duodenais benignas não-associadas à infecção por H. pylori cicatrizam após cerca de 40 dias de uso contínuo de IBP.

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Copyright © 2008 Bibliomed, Inc. 15 de abril de 2008.

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